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Uma câmera na mão e mil ideias na cabeça

O cinema brasileiro já passou por altos e baixos, momentos de glória e ostracismo. No entanto, a produção de filmes no Brasil foi extremamente importante. Não só para difundir a nossa cultura pelo mundo, mas também para expor e fazer o público refletir sobre diversas mazelas sociais.

Desse modo, um nome que revolucionou o cinema brasileiro e que influencia cineastas até hoje é o de Glauber Rocha. O artista nasceu na Bahia, mais especificamente em Vitória da Conquista, no ano de 1949.



Glauber Rocha era um visionário e: logo nos seus primeiros filmes foi possível notar a sua preocupação em denunciar a miséria do povo brasileiro. Além disso, ele buscava romper com os padrões mercadológicos da indústria cinematográfica.

Glauber Rocha, cinéfilo, crítico, teórico e diretor de cinema, escritor e revolucionário da sétima arte no Brasil, criador do Cinema Novo ficou famoso por sua “câmera nervosa” que representava o jargão “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e, que mesmo após 40 anos de sua morte, segue como inspiração até os dias atuais.

Glauber começou sua carreira como diretor de cinema em 1958, com o curta-metragem O Pátio, de forte inspiração concretista, mas já trazendo a influência da montagem dialética desenvolvida pelo cineasta russo Sergei Eisenstein, a partir da década de 1920. A obra de Glauber Rocha foi realizada no período que antecede ao golpe militar de 1964 e se estende até a abertura política, no início da década de 1980, espelhando e refletindo esse contexto histórico.

O cinema brasileiro já passara a retratar a realidade social do país com os filmes de Nelson Pereira dos Santos (diretor de Rio, 40 Graus e Rio, Zona Norte) e de Roberto Santos (autor de O Grande Momento), que bebiam da fonte do Neo-realismo Italiano. Na área teatral, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, o Arena e o Oficina foram grupos que levaram aos palcos as questões urgentes do país, ao mesmo tempo em que divulgavam uma dramaturgia realizada por jovens autores brasileiros, como Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, entre outros. A MPB, em especial a Bossa Nova, também abraçava as causas sociais do país em músicas "de protesto" apresentadas em shows ou em festivais televisivos.

Assim, no início dos anos 1960, Glauber propôs a criação de um cinema brasileiro que mostrasse a miséria da maior parte do povo e que, para isso, utilizasse imagens e elementos culturais das classes exploradas. Tratava-se de uma arte "nacional-popular", com filmes orientados politicamente realizados em um momento de acirramento ideológico. Ao afirmar que cinema se faz com "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", o artista defendia a utilização dos meios de produção artística a serviço da transformação social.

Depois de dirigir o longa-metragem Barravento, em 1961, que já abordava a dicotomia misticismo-engajamento político, Glauber Rocha realizou sua obra-prima, Deus e o Diabo na Terra do Sol. Tendo como ambientação o árido sertão nordestino, o filme acompanha a trajetória do vaqueiro Manuel e sua mulher. Depois de matar o coronel que o explorava e enganava, o sertanejo passa a seguir os beatos em busca de salvação divina.

Em 1965, Glauber publicou o ensaio A Estética da Fome, no qual defendia que o cinema realizado no Terceiro Mundo fosse um reflexo de sua realidade pobre. Para ele, tentar imitar o glamour de Hollywood, como já havia sido feito no Brasil pela produtora Vera Cruz e pelas chanchadas (comédias populares produzidas na década de 1950), só distancia os filmes da denúncia da violência e da miséria que assola os países subdesenvolvidos.

Como consequência da ditadura militar iniciada em 1964 - que frustrou os sonhos da esquerda brasileira - o filme Terra em Transe, de 1967, tem como protagonista não um personagem do povo, mas o poeta revolucionário Paulo Martins, um jornalista de classe média envolvido com um político populista, que se torna governador da província de um país fictício, Eldorado. Reflexão amarga sobre a derrota da esquerda, seu fluxo narrativo obedece aos delírios do protagonista, ferido mortalmente. Na enxurrada de recordações do protagonista podem-se ver as contradições de um país de terceiro mundo e da pequena burguesia urbana, dividida entre o sonho revolucionário romântico e os desejos mesquinhos da realidade.

Antonio das Mortes volta com seu trágico destino de matador de cangaceiro no filme O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, realizado em 1969 e vencedor do Festival de Veneza. Alegórico, é uma síntese dos filmes anteriores, denunciando o papel do imperialismo multinacional e das elites locais na manutenção do subdesenvolvimento do Terceiro Mundo e da pobreza da população, alienada pela religião ou refém da violência anárquica do cangaço.

Com o agravamento da situação política no Brasil, a partir de dezembro de 1968, quando foi promulgado o Ato Institucional 5, Glauber continuou sua carreira no exterior, ao longo da década de 1970. Em Cuba, realizou o documentário intitulado História do Brasil; no Congo, dirigiu o longa-metragem O leão das sete cabeças, novamente denunciando a exploração causada pelo imperialismo multinacional nos países do Terceiro Mundo, colonizados e empobrecidos. Na Europa, fez os filmes Cabeças cortadas e Claro, participando, ainda, de Vent D´Est, de Jean-Luc Godard, um dos cineastas que o inspirou, ao lado do espanhol Luis Buñuel e do italiano Píer Paolo Pasolini.

No final dos anos 1970, com o início da abertura política, Glauber voltou ao Brasil e surpreendeu a esquerda ao elogiar o governo militar. Seu último filme, A Idade da Terra, de 1980, um delírio místico sobre o Terceiro Mundo, não agradou à crítica brasileira e estrangeira. À frente de seu tempo, e extremamente hermético, disputou o Festival de Veneza, que premiou Atlantic City, de Louis Malle, uma produção mais tradicional. No início de 1981, o cineasta brasileiro foi viver com a família em Portugal, mas, gravemente doente, só retornou um dia antes de sua morte, deixando o país mais pobre cultural e intelectualmente.

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