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Como a Síndrome do Impostor pode afetar o processo criativo

Na era conturbada da pós-modernidade e da alta produção exigida nas profissões, especialmente no mundo artístico, tem sido abordado por muitas pesquisas científicas. A sensação de que somos uma fraude e que nossa incapacidade será descoberta é a marca dessa síndrome. E ela pode prejudicar muito quem trabalha no campo das artes.

A urgência em registrar o resultado de um trabalho e divulgar nas redes sociais é, como sabemos, uma pequena parte de um processo criativo doloroso, quando não visto pela instantaneidade das câmeras de celular e aprovação de um público virtual. Ninguém presencia a instabilidade da criação: as primeiras ideias, a insegurança, o rascunho, a solidão entre a obra e o artista. É nesse processo que a síndrome do impostor pode interferir e ser autodestrutiva.

No discurso para a University of the Arts, o escritor Neil Gaiman menciona que sua esposa, Amanda Palmer, autora de A arte de pedir, define essa síndrome como uma espécie de patrulha da fraude, como se um policial viesse bater na nossa porta, com uma prancheta, e revelasse ao mundo que não somos bons de verdade. Que nossos trabalhos foram só resultado de sorte, acaso ou algo que qualquer um faria. O que Gaiman enfatiza é que aquele trabalho só pode ser único porque é seu, isto é, só existe você para tê-lo feito.


Muitas vezes, enquanto buscamos fazer mais e mais no trabalho, vem a autossabotagem junto a esse fenômeno de se sentir uma fraude, pois achamos que todo esforço é nulo, inútil, insuficiente para alcançar o nível máximo sonhado de profissional qualificado, e acabamos por sucumbir na procrastinação ou na desistência.

Em geral, sofremos com expectativas que ainda não se resumem apenas ao trabalho. Precisamos ser produtivos nele, mas ainda ter o que se considera uma vida saudável, sair com os amigos, se atualizar nessa massa de produtos que surgem a cada segundo empurrados goela abaixo pela mídia, acompanhar os acontecimentos mundiais, estudar conteúdos extras, cuidar da saúde, ter relacionamentos amorosos estáveis. Ou seja, somadas, são expectativas que exigem um equilíbrio impossível de se alcançar. Expectativas que geram contradições que se devoram umas às outras.

Diante disso, desse frenético mundo em que surge uma camada com a qual precisamos nos atualizar rapidamente a cada dia, o trecho da carta abaixo, escrita por Sol LeWitt é um tapa bem-vindo, para nos lembrarmos de que, para criar uma obra artística é preciso estar desvinculado das idealizações e ser um processo em que nos engajamos totalmente, respeitando o tempo que ela exige. Não se trata de vir com o novo, sempre. É um cultivar. E não adianta, no trabalho, adiar com procrastinações e decepções, quando muitas vezes é preciso sentar e criar. Rascunhos são para ser ruins. Fazer trabalhos ruins é necessário para que as ideias se movimentem. E elas não virão na calada da noite como um sonho aperfeiçoado em si mesmo e já perfeito. É preciso trabalhar na sua obra desde a primeira pincelada, a primeira frase, a primeira nota musical. E se contentar com a totalidade que existe em cada pequenino ato desse processo, alimentando-o para vir mais.

LeWitt, autor da carta, foi um dos artistas mais relevantes na arte minimalista dos anos 60, e nela, dá conselhos para a escultora Eva Hesse. Ambos tiveram uma amizade com intensas trocas de ideias por dez anos, desde 1960, até que LeWitt morreu devido a um tumor no cérebro em 1970, aos 34 anos. A carta de LeWitt fala por todos os artistas que precisam se colocar de volta na estrada.


*Trecho da carta de LeWitt:


Querida Eva,

Vai fazer quase um mês desde que você escreveu para mim e você terá possivelmente esquecido o estado de sua mente (mas eu duvido disso). Você parece a mesma de sempre, e sendo você, odeia cada minuto disso. Pare! Aprenda a dizer “foda-se” ao mundo de vez em quando. Você tem esse direito. Apenas pare de pensar, se preocupar, olhar para trás, se questionar, duvidar, ter medo, se machucar, esperar por uma saída fácil, lutar, tentar entender, ficar confusa, se coçar, se arranhar, murmurar, reclamar, resmungar, se humilhar, hesitar, balbuciar, andar sem rumo, apostar, desabar, se rebaixar, se embaralhar, empacar, remoer, lamentar, gemer, grunhir, choramingar, queimar os miolos, fazer besteira, procurar pelo em ovo, se apegar a mesquinharias, encher a cara, empinar o nariz, roer os cotovelos, furar os olhos, por a culpa nos outros, sair de fininho, esperar muito, andar pé ante pé, botar olho gordo, trocar favores, observar, espreitar, falar mal dos outros, ranger os dentes, ranger os dentes, ranger os dentes para si mesma. Pare com isso e simplesmente

FAÇA

Pelo o que você diz, e a partir do que eu sei sobre o seu trabalho anterior e sua habilidade; o trabalho que você está fazendo parece muito bom “desenho todo despojado e estiloso, mas louco como máquinas, maiores e mais ousadas…puro nonsense”. Parece ótimo, maravilhoso – realmente nonsense. Faça mais. Mais nonsense, mais insano, mais máquinas, mais peitos, pênis, vaginas, o que seja – faça tudo isso repleto de nonsense. Tente e provoque alguma coisa em si mesma, este seu “humor esquisito”. Busque a parte mais secreta de sua personalidade. Não se preocupe em soar aceitável, crie o seu próprio inaceitável. Faça seu próprio mundo. Se você tiver medo, faça isso funcionar para você – desenhe e pinte seu medo e ansiedade. E pare de se preocupar com coisas grandes, profundas como “definir um propósito e estilo de vida, uma consistente abordagem de alguma finalidade impossível ou até imaginária”. Você precisa praticar ser estúpida, boba, irracional, oca. E então você será capaz de FAZER!

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